Por Igor Sa Gille Wolkoff e Guilherme Neuenschwander Figueiredo

Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/18) muito se discute sobre as relações negociais e jurídicas que serão impactadas pelas novas normas de segurança e proteção de dados, sendo que uma das áreas que sofrerá grande repercussão e terá que se adequar de forma bastante profunda é a proveniente das relações trabalhistas.

Veja-se que as relações trabalhistas, assim como todas aquelas que geram relações jurídicas contratuais, e aqui se fala tanto de forma tácita como expressa, escrita e solene, são impactadas em toda a sua extensão, ou seja, nas fases pré-contratual, contratual e pós-contrato, no caso de trabalho.

Pois bem, o presente texto, tem o propósito de realizar breve análise tão somente da fase pré-contratual de uma relação de emprego típica, tão conhecida pelos processos seletivos em que as empresas realizam em busca do preenchimento de possíveis vagas em aberto.

Ora, já de início, portanto, percebe-se que vários dados são fornecidos pelos candidatos às vagas de emprego no simples envio de currículos, seja de forma física seja por meios telemáticos. Nesse sentido, é imperioso que as empresas já tenham em mente a necessidade de solicitar o consentimento dos candidatos para o armazenamento, mesmo que temporário, dos dados fornecidos para a participação nos processos seletivos.

Bem assim, deve-se ter em mente que, sem um consentimento expresso, os dados fornecidos por candidatos não aprovados necessitam ser excluídos do banco de dados criado para o processo seletivo em questão, sendo que é importante ademais, informar a todos o período de armazenamento das informações solicitadas para a vaga aberta. E o consentimento se faz necessário desde a fase pré-contratual e não somente na fase contratual em si, pois nesta há outros standards jurídicos previstos na Lei 13709/18 que garantem a obtenção e armazenamento de dados por obrigação legal, tais como dados referentes à previdência social, por exemplo, nos termos do inciso II, do artigo 7º da citada lei.

As breves considerações acima tecidas podem ser repisadas no próprio texto legal expresso na Lei 13709/18, visto que a norma conhecida como LGPD tem em seus fundamentos o respeito a privacidade, a autodeterminação informativa, a inviolabilidade da intimidade, a dignidade e o livre desenvolvimento da personalidade, para citar apenas os que possivelmente se enquadram na seleção de candidatos.

Em outras palavras, a Lei geral de Proteção de Dados considera fundamental que seja protegida a privacidade e intimidade do candidato, assim como ao participar do processo seletivo possa decidir sobre as informações que disponibilizará a quem oferece a vaga. Além do mais, referida lei tem a clara intenção de proteger os direitos de personalidade das pessoas naturais.

Não bastassem as “recomendações” já acima citadas, os futuros empregadores têm que ter em mente ademais que não podem ser solicitadas informações que possam caracterizar discriminação ou atos de preconceito aos candidatos. E mesmo assim, merece destaque a necessidade de interpretação conjunto de outras normas legais, tais como a do motorista profissional.

Explica-se, a solicitação de exame toxicológico e de antecedentes criminais para um candidato que irá ativar-se na operação de uma máquina no interior de um estabelecimento empresarial poderá ser caracterizada como ato discriminatório, ao passo que o exame toxicológico é obrigatório ao candidato a vaga de motorista profissional, assim como o atestado de antecedentes criminais é imprescindível ao futuro profissional de segurança patrimonial, a teor do artigo 168, parágrafo 6º, da CLT e artigos 12 e 16, inciso VI, da Lei 7.102/83 cumulado com art. 4°, I da Lei n. 10.826/03.

Ainda, é importante mencionar que o processo seletivo, por vezes, da-se de forma automatizada, em que a seleção inicial em si é realizada por inteligência artificial, situação esta prevista pela lei geral de proteção de dados em seu artigo 20 ao dispor que “titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses, incluídas as decisões destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito ou os aspectos de sua personalidade”.

Nesse sentido, torna-se imperioso que a empresa tenha todo a estrutura de seleção esquadrinhada e que o processo decisório, mesmo que através de inteligência artificial seja bem claro e transparente, até para adequação a um dos princípios basilares da lei 13.709/18, que é o da Transparência, previsto no artigo 6º, inciso VI[1].

Segundo o referido artigo a empresa “… deverá fornecer, sempre que solicitadas, informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada, observados os segredos comercial e industrial”, restando evidente que se o recrutador não dispuser de todas as informações solicitadas de forma clara, precisa e transparente poderá sofrer, no mínimo, “… auditoria para verificação de aspectos discriminatórios em tratamento automatizado de dados pessoais” (art. 6º, § 2º, da Lei 13.709/18).

Com a diversidade de novas adequações presentes que se fazem necessárias e ainda diversas situações pendentes de maior esclarecimento, tendo em vista de se tratar de um novo cenário presente, notadamente pela inexistência da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, toda cautela é necessária para que os processos seletivos não se tornem um fomentador de processos judiciais envolvendo justamente a transparência em sua condução, vazamento de informações e até mesmo decisões discriminatórias, dentre outras questões.

Nesse cenário, pode-se afirmar que ainda há muito a ser debatido entre a comunidade empresária e que a constante atualização quanto ao tema faz-se extremamente necessária para que as adequações ocorram de forma a minimizar os possíveis desencontros e eventuais penalidades que ainda estão porvir, sendo cada dia que passa mais clara a necessidade de uma assessoria legal contínua e próxima aos empresários.

Igor Sa Gille Wolkoff é advogado atuante nas áreas trabalhista e empresarial e sócio da Advocacia Castro Neves Dal Mas, coordenando a Unidade de Campinas.

Guilherme Neuenschwander Figueiredo é advogado atuante na área trabalhista e sócio da Advocacia Castro Neves Dal Mas coordenando a Unidade de Belo Horizonte. 

[1] Art. 6º – …. VI – transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial;

Fonte: Revista Cipa

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