Após o aumento de 5,09% nos acidentes de trabalho registrados de 2017 para 2018, passando de 557.626 para 586.017, o Brasil registrou uma queda de – 0,60% nos acidentes de trabalho de 2018 para 2019, passando para 582.507. No mesmo período, houve aumento no número de mortes no trabalho, de 2.132 para 2.184 (2,44%). Já a quantidade de trabalhadores incapacitados permanentemente em decorrência de acidente ocupacional apresentou maior queda, de 19.686 para 12.624 (-35,87%). Mantendo-se na liderança, os homens representaram 65,84% (383.560) do total de acidentados, e as mulheres 34,12% (198.804), sendo que em 0,02% (143) dos casos o gênero foi ignorado no registro. Os dados constam na mais recente versão do AEPS (Anuário Estatístico de Previdência Social), postada no site da Secretaria de Previdência/Ministério da Economia no início de fevereiro. A publicação vem com a atualização dos dados de 2018.

Coordenador-geral de benefícios de riscos e reabilitação profissional da Secretaria de Previdência Órion Sávio Santos de Oliveira aponta que, antes de se considerar a redução de menos de 1% dos acidentes de trabalho em 2019, é preciso levar em consideração o aumento de quase um milhão de trabalhadores de 2018 para 2019.

“ASSIM, A INCIDÊNCIA DE ACIDENTES DE TRABALHO EM 2018, A CADA 100 MIL TRABALHADORES, FOI DE 1.257, ENQUANTO EM 2019 FOI DE 1.225, O QUE DEMONSTRA UMA REDUÇÃO DE QUASE 2%”.

Ele observa que tanto as reduções quanto os aumentos dos números têm múltiplas causalidades, e por isto, diz não ser possível identificar um único motivo para a queda da acidentalidade. Cita entre eles fatores como o avanço das políticas públicas para promover o investimento em Segurança e Saúde no Trabalho, tais como o FAP (Fator Acidentário de Prevenção) e a atuação de todos os órgãos com competência para fiscalização do meio ambiente do trabalho.

CONSIDERAÇÕES

Katyana Aragão, gerente-executiva de Saúde e Segurança na Indústria do Sesi também percebe melhora na SST das empresas, acreditando que a redução dos acidentes de trabalho em termos absolutos e relativos por trabalhador se deve, sobretudo, a melhorias na gestão de risco e a políticas mais eficazes de prevenção de acidentes no ambiente laboral. “É preciso frisar, ainda, que os acidentes de trajeto – sobre os quais as empresas não têm qualquer ingerência – apresentaram alta em números absolutos e em sua participação total de casos ao longo dos últimos anos, chegando a representar um em cada cinco acidentes de trabalho”.

Já Eduardo Bonfim da Silva, coordenador técnico do Diesat (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho) discorda sobre melhorias na prevenção e não aponta muita evolução. Avalia que esse cenário retrata apenas uma parte da classe trabalhadora com registros formais, e que há significativa taxa de subnotificação, causada, não apenas pela falta de registro, mas também pela informalidade que, no seu entendimento, vem crescendo exponencialmente. O que significa, segundo Bonfim, que a classe que vive do trabalho está cada vez mais desamparada de proteção social, com ausência de direitos trabalhistas e previdenciários. “Não temos como mensurar quantitativamente o cenário de adoecimentos na informalidade e em decorrência da falta de trabalho, mas sabemos, pela materialidade das condições de trabalho que temos no Brasil, que a classe trabalhadora continua a adoecer e a morrer”, lamenta.

Em relação ao aumento de óbitos entre os trabalhadores, Bonfim comenta que os dados ainda estão sendo analisados pelo Diesat para se “instrumentalizar” a luta pela saúde. Órion chama a atenção para a importância desta avaliação, considerando-se atividades que possuem histórico de acidentes graves e fatais para, assim, se direcionar políticas específicas e um esforço estatal na melhora das condições de trabalho nestes setores. “A consequência ‘óbito’ é extremamente grave e demanda todo o esforço para entender o que os números expressam e atuar de forma enérgica para evitá-la”, reitera, pontuando ainda sobre a necessidade de estudos aprofundados para se entender a queda do número de incapacidades permanentes, aquelas que retiram do mercado de trabalho de maneira muito precoce um trabalhador que poderia exercer suas atividades por muitos anos.

DOENÇAS

Conforme o Anuário, os acidentes sem CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) registrada no INSS, aqueles identificados por meio de perícia médica, por outros instrumentos, como os nexos previdenciários, caíram de 104.024 para 96.397 (- 7,33%) no período. Por outro lado, houve aumento do total de acidentes com CAT registrada. Em 2019 fora 486.110, 0,85% mais do que no ano anterior, 481.993. Os dados ainda mostram que o total de acidentes típicos, que ocorreram com o segurado a serviço da empregadora, aumentaram 3,09%, passando de 363.314 para 374.545. Por sua vez, houve queda no percentual de doenças ocupacionais (- 11,75%), passando de 10.597 pa­ra 9.352. Nos aciden­tes de trajeto também houve queda, de – 5,43% ­no período de 2018 a 2019, passando de 108.082 para 102.213.

Uma hipótese provável para o aumento do número de CATs registradas e de acidentes típicos, para Órion, é o próprio aumento do número de segurados empregados, sendo necessário, mais uma vez, aprofundar essa análise por ramo de atividade, ocupação, dentre outros dados.

“QUANTO ÀS DOENÇAS OCUPACIONAIS, É IMPORTANTE DESTACAR QUE TEMOS UM BAIXÍSSIMO NÚMERO DE NOTIFICAÇÕES DE DOENÇA DO TRABALHO NO BRASIL, SENDO QUE A MAIORIA DAS NOTIFICAÇÕES OCORREM NA PRÓPRIA AVALIAÇÃO PERICIAL, SEM A RESPECTIVA EMISSÃO DA CAT”.

Conforme Bonfim, de acordo com os trabalhadores acompanhados pelo Diesat, ele não acredita que realmente houve a diminuição de doenças ocupacionais. Entre os fatores para explicar a queda apresentada, ele cita a defasagem da LDRT (Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho), sobre a qual houve contribuição para o processo de atualização realizado pela CGSAT/MS (Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde). A nova lista chegou a ser publicada por meio da Portaria nº 2.309 em 2020, mas acabou revogada em seguida.

“Anular um trabalho dessa magnitude representa um total descaso com as notificações de diversas doenças, entre elas, a Covid-19, negando o direito de reconhecimento quando relacionada ao trabalho”.

LIQUIDADOS

Ainda de acordo com o AEPS 2019, houve aumento de 0,61% na quantidade total de acidentes de trabalho liquidados, aqueles cujos processos foram administrativamente encerrados pelo INSS. Esse percentual representa 3.664 acidentes liquidados a mais, passando de 595.237 em 2018 para 598.901 em 2019. Por sua vez, os acidentes de trabalho liquidados de assistência médica no período aumentaram 5,17%, passando de 99.454 para 104.603; os de incapacidade temporária com menos de 15 dias aumentaram 2,84%, de 362.970 para 373.266; os de incapacidade temporária com mais de 15 dias caíram -8,32%, de 115.859 para 106.224; os de incapacidade permanente baixaram -15,02%, de 14.856 para 12.624; e os óbitos aumentaram 3,94%, de 2.098 para 2.184.

O Anuário mostra, ainda, a quantidade de acidentes de trabalho por CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) em 2019, havendo pouca mudança no ranking das atividades que mais acidentaram trabalhadores em relação ao ano anterior. Mantendo-se no primeiro lugar as atividades de atendimento hospitalar totalizaram 56.922 acidentes; seguidas do comércio varejista de mercadorias em geral com predominância de produtos alimentícios (hipermercados e supermercados), com 24.278. A administração pública em geral manteve-se em terceiro lugar, somando 17.471 acidentes; assim como o transporte rodoviário de carga em quarto lugar, com 13.808; e o abate de suínos, aves e outros pequenos animais, que permaneceu em quinto lugar com

OPORTUNIDADE

Além de possibilitar a análise do cenário nacional em Segurança e Saúde do Trabalho, Katyana, gerente executiva de Saúde e Segurança na Indústria do Sesi, destaca que os dados colaboram para a melhora dos ambientes laborais. “No entanto, é um trabalho contínuo de aplicação das boas práticas e vigilância das regras de SST. A partir de bons programas de gestão e de prevenção de acidentes, as empresas têm condições de mapear os riscos, capacitar empregados e fazer uma prevenção mais eficaz de acidentes em seus ambientes de trabalho”, enfatiza.

Bonfim também percebe a oportunidade de melhorias no cenário, mas reclama da demora no levantamento dos números.

“EXISTE UMA LACUNA MUITO SIGNIFICATIVA SOBRE OS REGISTROS APRESENTADOS NAS ESTATÍSTICAS OFICIAIS. O ACOMPANHAMENTO TEM DE SER SISTEMÁTICO, NÃO APENAS COMO DA MANEIRA APRESENTADA A CADA DOIS ANOS. OU SERVIRÁ SOMENTE PARA CONTAR UMA HISTÓRIA DE GENOCÍDIO DA CLASSE TRABALHADORA, SEM MUDARMOS EFETIVAMENTE AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL”.

O coordenador-geral de benefícios de riscos e reabilitação profissional da Secretaria de Previdência salienta a necessidade da continuidade do avanço nas políticas públicas para promoção de mais Segurança e Saúde no Trabalho, como vem ocorrendo, ao seu ver, no processo de modernização da legislação trabalhista, citando como exemplo o GRO (Gerenciamento de Riscos Ocupacionais). “Os prevencionistas e toda a comunidade acadêmica possuem papel fundamental na análise desses dados, sendo este um dos principais objetivos da sua divulgação ampla para toda a sociedade, haja vista a necessidade de técnicos e acadêmicos com conhecimento específico se debruçarem minuciosamente sobre essas informações, fazendo análises por ramo de atividade, ocupação, unidade da federação e entendendo o comportamento exato da acidentalidade no trabalho no País, garantindo informação robusta para que possamos continuar avançando na melhoria dos ambientes de trabalho”, reforça. Adiantando que já espera estatísticas atípicas para o ano que vem, seja nas doenças mais prevalentes, seja na incidência de acidentes, devido à pandemia de Covid-19. “Todavia, precisaremos aguardar os dados para podermos desenhar análises específicas considerando a excepcionalidade do mundo do trabalho no ano de 2020”, completa Órion.

(Fonte: Revista Proteção)

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