Após a frustração para uns, ou o alívio para outros, com a prorrogação da vigência da nova NR 1 (Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais) de agosto último para janeiro de 2022, o setor foi surpreendido com o ajuizamento de uma Ação Civil Pública pelo MPT solicitando que a Justiça do Trabalho suspenda a Portaria 6.730, em que consta a nova redação da NR 1. A ACP também pede a suspensão da Portaria 915/2019, anterior a esta última, que já trazia alterações na legislação, como o tratamento diferenciado para algumas das empresas de menor porte.
Um dos coautores da ACP, o procurador do Trabalho Luciano Leivas explica que existem diversos vícios formais e materiais no processo de revisão e elaboração da NR 1 que prejudicam o rastreamento de riscos de adoecimentos e ocorrência de acidentes de trabalho. “O principal aspecto refere-se à liberação da obrigação de elaboração e implementação do PPRA e do PCMSO em face das microempresas e empresas de pequeno porte com grau de risco 1 e 2. É importante destacar que o futuro PGR também contempla a liberação para esse seguimento empresarial das obrigações de gerenciamento de riscos ocupacionais”, destaca.
TRATAMENTO DIFERENCIADO
Ponderando que as MEs e EPPs são responsáveis pela contratação de mais de 50% dos trabalhadores, concentrando o maior número de empresas no Brasil, o MPT teme que essa flexibilização produza uma indevida discriminação laboral-ambiental, se baseando apenas no faturamento anual de determinadas organizações. “Uma empresa de pequeno porte, grau de risco 1 ou 2, cujo faturamento seja de R$ 4.800.000, pode, mediante auto declaração, desobrigar-se de elaborar e implementar o PPRA e o PCMSO; todavia, uma empresa do mesmo setor, cujo faturamento anual seja da ordem de R$ 5.000.000, deve elaborar e implementar os programas de prevenção de acidentes e de promoção da saúde”. Segundo Leivas, não existe fundamento jurídico para tal discriminação entre trabalhadores da mesma categoria profissional. Cita como exemplo um supermercado de pequeno porte, que se enquadre nas definições do tratamento diferenciado, que fica liberado do PPRA e PCMSO, mesmo que integre o setor que está em segundo lugar no ranking dos que mais geram afastamento por acidentes e doenças laborais, de acordo com o Observatório de SST (https://smartlabbr.org/sst).
O procurador do Trabalho ressalta que as micro e pequenas empresas de graus de risco 1 e 2 já estão desobrigadas de elaborar e implementar os programas, visto que a Portaria 915/2019 entrou em vigor na data de sua publicação. “Aliás, é um paradoxo, uma contradição intrínseca, que uma determinada empresa esteja enquadrada como grau de risco 2 no Quadro da NR 4 e venha declarar inexistência de risco físico, químico, biológico ou ergonômico para se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado”.
ANÁLISE AUSENTE
Outra crítica da Ação Civil Pública é que o processo de revisão da NR 1 não contou com uma Análise de Impacto Regulatório. Essa reclamação por parte do MPT já é antiga e foi motivo de outra ACP, ajuizada em abril do ano passado, chegando a gerar uma reavaliação dos procedimentos de criação e revisão das Normas Regulamentadoras, que agora preveem as AIRs no âmbito da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (Portaria 6.399/2021), conforme o regramento trazido pelo Decreto 10.411/2020.
O procurador do Trabalho diz que as primeiras Análises de Impacto Regulatório realizadas no processo de revisão das Normas Regulamentadoras, que teve início em 2019, somente surgiram na 6ª Reunião Extraordinária da CTPP, que ocorreu em 28 de junho deste ano. “Na oportunidade, a bancada do Governo apresentou as AIRs das NRs 5, 17, 19 e 30. Nenhuma NR criada ou revisada antes dessa reunião teve seu texto técnico ou proposta de texto precedida de AIR. A NR 1, como é sabido, teve sua primeira publicação em 30 de julho de 2019; portanto, foi criada à revelia da prévia e necessária AIR”, garante.
O Ministério Público do Trabalho também pede a condenação da União em R$ 84 milhões por danos morais coletivos pelo tratamento diferenciado disposto desde a publicação da Portaria 915, ainda mais durante a pandemia de Covid-19. “É entendimento do MPT a flagrante violação ao princípio do risco regressivo mínimo e da indisponibilidade da saúde do trabalhador e da trabalhadora”, declara Leivas. Aproveita para destacar que, apenas considerando o auxílio-doença comum e o auxílio-doença acidentário entre 2017 e 2019, as MEIs, MEs e EPPs de grau de risco 1 e 2 tiveram um impacto total médio de R$ 418.983.920 aos cofres da Previdência Social. Isso considerando valores computados antes da liberação da obrigação de elaboração e implementação do PPRA e do PCMSO.
PRÓXIMOS PASSOS
Procurada pela reportagem, a Secretaria Especial Previdência e Trabalho preferiu não se pronunciar, afirmando que “como há processo em curso, as respostas serão encaminhadas neste primeiro momento em juízo”.
Antes de decidir sobre a liminar, o juiz deve ouvir a AGU (Advocacia-Geral da União). Em princípio, os trabalhos da CTPP devem prosseguir normalmente. Mas a expectativa do MPT, segundo Leivas, é que os pedidos da ACP sejam aceitos. “O pedido definitivo é para que a atividade regulatória do Estado seja retomada desde sua fase inicial, ou seja, elaboração da Análise de Impacto Regulatório, delimitando não apenas o problema regulatório do ponto de vista econômico, mas também – e principalmente – sob o enfoque da prevenção de acidentes e adoecimentos relacionados ao trabalho e da indisponibilidade da saúde do trabalhador e da trabalhadora, independentemente do porte da empresa”, conclui.
A Ação Civil Pública pode ser lida AQUI.
Fonte: Revista Proteção