Depois de muita polêmica, o Instituto Butantan divulgou nesta terça-feira (12/01) a eficácia global da CoronaVac. Os dados mostram uma taxa de 50,38%, número que supera por pouco o limite de 50% estipulado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para aprovar as vacinas contra a covid-19. A coletiva de imprensa desta semana veio após muitas críticas de cientistas e profissionais de saúde em relação à falta de transparência no anúncio realizado na quinta-feira (07/01).

Na ocasião, representantes do governo do Estado de São Paulo mostraram apenas os dados dos desfechos secundários do estudo clínico do imunizante, como aqueles que mostravam uma diminuição de 78% dos casos leves e de 100% nos casos moderados, nos casos graves e nas hospitalizações. Mas o que esses números e informações significam na prática? Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que, assim como ocorre com várias vacinas contra outras doenças já aplicadas no país, a CoronaVac (se aprovada) pode ser de grande valia ao enfrentamento da pandemia. “Sabe o que é mais importante que qualquer vacina? A estratégia de vacinação. É ela que vai nos permitir ter muito menos mortes em 2021”, contextualiza a médica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm)

Eficácia x Efetividade

A taxa de eficácia global da vacina é determinada a partir dos estudos clínicos de fase 3, os últimos antes da aprovação pelas agências regulatórias, caso da Anvisa no Brasil e da FDA nos Estados Unidos.

Normalmente, esse trabalho de pesquisa demora anos para ser concluído. Porém, em meio a uma pandemia, os prazos podem ser apertados e os cientistas fazem análises preliminares com um número menor de voluntários.

Grosso modo, a análise preliminar compara quantos participantes do estudo que contraíram a covid-19 de acordo com dois grupos: aqueles que tomaram a vacina de verdade e aqueles que receberam doses de placebo, uma substância sem efeito no organismo.

Espera-se que as pessoas vacinadas estejam mais protegidas da infecção pelo coronavírus em relação àquelas que não foram imunizadas. A partir daí, é possível realizar um cálculo relativamente simples, que vai determinar essa taxa de eficácia. Esse número, porém, é uma informação obtida a partir de um estudo científico, num ambiente controlado e acompanhado de perto por um time de especialistas.

 Na vida real, a eficácia é substituída pela efetividade. Em resumo, esse conceito permite entender o quanto daquilo que foi observado durante os testes acontece de verdade, no mundo real.

A efetividade, portanto, pode ser maior ou menor, a depender de uma série de variáveis e coisas que acontecem durante um programa amplo de vacinação. O desejável é que ela fique o mais próximo possível da taxa de eficácia encontrada lá no início, durante os estudos.

E como a CoronaVac se encaixa nisso?

A vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan está justamente neste estágio de análise preliminar das pesquisas. Nos testes de fase 3, 85 voluntários do grupo vacinado e 167 do grupo placebo tiveram a covid-19. Esses números revelam, portanto, uma taxa de eficácia de 50,38%.

No trabalho do Butantan, os casos foram divididos de acordo com a sua gravidade: desde aqueles muito leves, que não requerem nenhum cuidado, até os mais graves, que exigem internação em unidade de terapia intensiva (UTI).

Outra observação importante da pesquisa foi que a CoronaVac se mostrou capaz de evitar os quadros moderados ou graves da infecção pelo coronavírus.

Pelas informações disponíveis até o momento, houve uma redução de 78% nos casos leves, que necessitam de algum tipo de assistência médica. Do ponto de vista de saúde pública, os especialistas acreditam que isso pode ter um enorme impacto.

Afinal, uma redução da taxa de internações (e, por consequência, de óbitos) pode representar um alívio imenso durante uma pandemia. Já de uma perspectiva individual, os dados da CoronaVac indicam que ela teria a capacidade de transformar uma doença potencialmente fatal numa infecção mais branda e fácil de ser manejada.

E isso, como você verá a seguir, é um racional que se aplica a diversas outras vacinas que já temos disponíveis contra outras doenças.

Número baixo, efeito bom

Existe uma série de outras vacinas que fazem parte do Programa Nacional de Imunização cuja eficácia não chega nem perto dos 90%.

As vacinas que protegem contra rotavírus, influenza, coqueluche e catapora são exemplos disso.

Ballalai lembra que o rotavírus, agente que afeta o intestino e provoca diarreia, era um verdadeiro pesadelo no Brasil. “Não tinha uma criança que chegava aos dois anos de vida sem ter sofrido ao menos um episódio dessa infecção”, relata.

A vacina, disponibilizada no país a partir de 2006, modificou totalmente esse cenário. Hoje em dia, os surtos são muito raros no país.

Detalhe: a eficácia da vacina contra o rotavírus fica entre 40 e 50%. “No entanto, ela tem a capacidade de evitar os quadros graves da doença, que podem levar a hospitalização e até a morte”, completa a médica

O mesmo se aplica a outros imunizantes, como aqueles que protegem contra influenza, coqueluche e catapora.  

No caso da campanha contra gripe, a formulação da vacina muda a cada nova temporada, de acordo com as cepas do vírus que estão em maior circulação naquele outono/inverno.

Em alguns anos, a taxa de eficácia das doses usadas nas campanhas anuais nem alcança os 40% (em anos “bons”, varia entre 60 e 90%).

 Porém, ao evitar o agravamento do quadro, especialmente em grupos vulneráveis como os idosos, uma estratégia de vacinação ampla contra o influenza impede que a doença mate muita gente e tenha impacto grande demais para a capacidade do sistema de saúde.

  Claro que há outras vacinas cuja taxa de eficácia ultrapassa os 90%. É o caso daquelas que protegem contra a hepatite A, a hepatite B, o HPV, a febre amarela e a poliomielite

  Mas elas também dependem de uma boa cobertura vacinal (a proporção do público-alvo que tomou suas doses) para evitar que o agente infeccioso continue circulando no país ou em determinada comunidade.

E as outras vacinas contra a covid-19?

 O anúncio de uma eficácia de cerca de 50,4% feito pelo Instituto Butantan pode até parecer frustrante num primeiro momento – ainda mais depois de toda a confusão com a divulgação do dado e a comparação inevitável com outras concorrentes, como Pfizer (95% de eficácia), Moderna (94%), Sputnik V (90%) e AstraZeneca/Oxford (62 a 90%).

  Apesar disso, especialistas garantem que o número mais baixo não significa que a CoronaVac seja menos valiosa ou possa ser descartada no atual momento.

“Além disso, ninguém olhou com tanto detalhe para as outras vacinas como estão fazendo agora com o Instituto Butantan. No caso de Pfizer, Moderna, Oxford/AstraZeneca, só sabemos da eficácia geral. Não podemos deixar que a politização sobre esses dados crie uma desconfiança na população”, critica Ballalai

Vale dizer que a CoronaVac, além de se mostrar bastante segura e não provocar efeitos colaterais dignos de nota até o momento, apresenta alguns benefícios do ponto de vista operacional e logístico. Ela é mais barata, está sendo produzida no Brasil e não precisa de armazenamento em temperaturas baixíssimas.

Isso significa que a disponibilidade de suas doses aos brasileiros parece estar muito mais próxima da realidade – e isso teria um benefício mais imediato no enfrentamento da pandemia.

O médico Marcio Sommer Bittencourt, do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, resumiu a questão em uma série de postagens no Twitter. “Sendo simplista, se vacinar 1 milhão [de pessoa com vacina que reduz 95%, o máximo que você protegeu foi 950 mil pessoas. Se vacinar 200 milhões com uma vacina que reduz 50%, você protege até 100 milhões de pessoas”.

Os dados da análise preliminar da CoronaVac foram enviados para a Anvisa na última sexta-feira (8/01). A agência deve dar um veredicto sobre seu uso no Brasil nos próximos dias.

(Fonte: Uol)

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