Estudo do local de trabalho e sua organização são determinantes para se estabelecer nexo causal

Estamos no meio de uma pandemia e já começou o ingresso de ações trabalhistas com a finalidade de caracterizar a Covid-19 como doença ocupacional. Temos uma razoável legislação disciplinando a questão; porém, umas acabam se contrapondo a outras, deixando margem para situacionistas discutirem a questão no Judiciário.

Nos termos do art. 20, da Lei nº 8.213/91, são considerados acidente do trabalho: (i) a doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da relação contida nos anexos do Decreto nº 3.048/99; e (ii) a doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, também constante dos anexos do Decreto nº 3.048/99.

Assim, a doença profissional é resultado do trabalho ou profissão específica. É também denominada de doença profissional típica, tecnopatia, ergopatia ou idiopatia. A doença profissional não é encontrada na população em geral, mas exclusivamente no ambiente de trabalho. Como exemplo, podemos citar a silicose, oriunda da exposição à sílica livre cristalina.

Por seu turno, a doença do trabalho é resultado da agressividade e nocividade existentes no local de trabalho, às quais desencadeiam ou agravam a saúde do trabalhador. É também conhecida como mesopatia. Ao contrário da doença profissional, a doença do trabalho não está vinculada ao cargo exercido, mas na forma de como o trabalho é realizado. A doença do trabalho debilita a resistência do organismo do trabalhador, resultando no aparecimento de uma doença que não tem no trabalho sua causa única e exclusiva.

Como exemplos, podemos citar a PAIR (Perda Auditiva Induzida por Ruído) e as LER/DORT (Lesões por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho).

O parágrafo 1º, do art. 20, da Lei nº 8.213/91, exclui da classificação de doença do trabalho as entidades: (i) a doença degenerativa (artrites, doença de Parkinson, distrofia muscular, escleroses, diabetes etc.); (ii) a inerente a grupo etário (presbiacusia, reumatismo etc.); (iii) a que não produz incapacidade laborativa (gastrite, asma etc.); e (iv) a doença endêmica adquirida por segurados habitantes de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que resultou de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho (tuberculose, dengue, doença de Chagas, leishmaniose, esquistossomose, hanseníase, malária etc.).

MP 927

A polêmica sobre o enquadramento da Covid-19 como doença ocupacional teve início com a Medida Provisória nº 927/2020, a qual determinou que os casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais, exceto mediante estabelecimento do nexo causal. Posteriormente, em 29 de abril de 2020, o STF decidiu pela suspensão da eficácia da MP 927, trazendo interpretação de que a contaminação pelo vírus no ambiente laboral não pode ser presumida.

A doença ocupacional é um gênero do qual são espécies a doença profissional e a doença do trabalho, cujo enquadramento decorre da existência de nexo causal presumido ou não; sendo que o presumido dá-se apenas no caso do NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário). Ainda, não podemos deixar de lado que a legislação previdenciária excetua das doenças do trabalho as doenças endêmicas adquiridas pelos segurados. A endemia é uma doença de causa e atuação regional ou local, cujo exemplo é a febre amarela, no Norte do Brasil.

Na pandemia há o pior dos cenários, ocorrendo quando uma epidemia alcança níveis mundiais, afetando várias regiões ao redor do globo terrestre, cujo exemplo foi a gripe suína que foi declarada pandemia em 2009. A Covid-19 foi caracterizada como pandemia em 11 de março de 2020.

PROVA TÉCNICA

Considerando que uma pandemia tem incidência e gravidade superiores à endemia e, se a legislação previdenciária exclui as endemias das doenças ocupacionais, baseado na máxima de quem pode o mais, pode o menos, uma pandemia também estaria excluída das doenças ocupacionais.

Por óbvio que as endemias não são oriundas dos locais de trabalho, tampouco afetam exclusivamente trabalhadores, além de sua transmissibilidade que as diferenciam das doenças ocupacionais. Com mais acerto, poderíamos afirmar que uma pandemia também não é oriunda dos locais de trabalho, não tendo predileção pelo público laboral e, é doença caracteristicamente transmissível, o que facilita sua abrangência nacional, continental ou mundial. Assim, a Covid-19 jamais poderia ser classificada ou caracterizada como doença ocupacional. Em não sendo a Covid-19, ao menos de forma presumida, doença ocupacional, diga-se de passagem, que o estabelecimento do nexo causal e a eventual incapacidade para o trabalho do segurado deverá ser analisada pelo INSS, como as demais situações passíveis de benefício.

Além do que, o contágio pode ocorrer na própria residência do segurado, no trajeto residência trabalho ou vice-versa, em locais como supermercados, shoppings, igrejas, farmácias e, no ambiente de trabalho, uma vez que se trata reconhecidamente de transmissão comunitária segundo o art. 1º da Portaria nº 454/2020 do Ministério da Saúde.

O estabelecimento do nexo causal não é questão trivial, envolvendo vários aspectos conforme disciplina a Resolução nº 2.183/2018 do Conselho Federal de Medicina.

Assim, mesmo no caso da Covid-19, é possível estabelecer com razoável grau de segurança a relação entre a doença e o trabalho. O estudo do local de trabalho e o estudo da organização do trabalho são determinantes para se estabelecer o nexo causal. As ações tomadas pela empresa, no sentido de se evitar o contágio, são preponderantes para exclusão do nexo causal.

Lamentavelmente, vivemos um momento no qual, não somente a política, mas também a ciência está polarizada, quando então a ideologia política fala mais alto que o conhecimento científico.

Compreende-se, ao final, que não se pode considerar a Covid-19 imediatamente como uma doença ocupacional, sem que haja prova técnica cabal que efetivamente demonstre a aquisição da enfermidade em ambiente de trabalho, e que tal comprovação depende de prova técnica médica, sob o risco de atribuir ao empregador, mais uma vez, um ônus que não lhe compete.

Fonte: Revista Proteção

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